Sem rostos e sem localização, Corubo difunde cultura de tribos latinas, abrindo espaço para protestar e levantar discussão contra massacres em aldeias por disputas políticas
Não se sabe
sua localização exata, seus nomes reais e suas origens. Sabe-se apenas que
Corubo é uma manifestação sonora que une o som Black Metal com elementos
indígenas e letras, em português ou guarani, carregadas de protestos perante o
genocídio promovido pelas ambições do agronegócio no Brasil. Cauã é Tesa’ãme
são os pseudônimos dos caras que estão por trás deste som. Seus rostos não
aparecem nos encartes, nem há fotos de apresentações ao vivo. Eles não divulgam
a função de cada membro e a inspiração pelo nome da banda vem da tribo quase
desconhecida Korubo, que vive em regiões do Acre e Amazônia e são compostas por
índios canibais que atacam quem invade seu território.
- O nome
veio por apoio aos "selvagens indomáveis", comedores de invasores e
de inimigos. Livres, nômades e resistentes. Sua língua não possui escrita. Como
Korubo também é nome de cidade e de outras coisas, então preferimos subverter e
destacar como Corubo (com a letra C ao invés do K). Depois conhecemos o cacique Korubo e sua trajetória, o que consolidou nosso caminho - explica Cauã.
Sobre aonde
nasceu a banda Corubo, eles também não divulgam. Enquanto o site Metal Archives
aponta que Corubo tem origem em Ji-Paraná, município de Rondônia, o Bandcamp oficial aponta Minas de Corralles, no Uruguai. Para confundir mais, há um
endereço na segunda demo-tape lançada em 2001 que remonta a Porto Alegre, Rio
Grande do Sul. Detalhe que eles mesmos afirmam que nenhuma das localizações
publicadas são verdadeiras e fogem do assunto quando questionados.
- Tento
entender por que tanta preocupação em ver os integrantes. Isto sempre acontece.
Nosso foco se concentra na ideia que o que fica é o caminho que o homem abre,
não ele em si - despista Cauã, com pontos de subjetividade.
- Não há
interesse de se auto promover, ganhar estigma ou seguidores por causa disto, ou
que seja, fazer poses tão clichês como há na cena. Na maioria dos casos seria
melhor se não houvesse mesmo (risos). Há gente que nos conhece por aí mundo afora
e acredito que entendem isto e, no geral, sempre mantiveram assim também em
respeito ou apoio - complementa Cauã.
Desde 1999
Corubo lançou 13 materiais entre formatos tape e digital e, pegando carona no
amplo compartilhamento de sua ação direta, disponibilizam a discografia de
forma totalmente gratuita. Cauã foi o responsável pelo nascimento do projeto,
que já chegou a ser banda em 2001, com apresentações ao vivo, porém sem
registros em áudio ou imagens. Neste mesmo ano, um dos integrantes, também não
divulgado, morre e a banda finda as atividades. Em 2005 Cauã retorna com
Tesa’ãme e, desde então, não voltaram a se apresentar ao vivo. Apesar do som
ter origens no Metal, Cauã descreve na biografia de Corubo aproximação ao
movimento Punk, desenvolvendo forte oposição à divisão honour and pride do Black Metal.
O material
mais recente de Corubo, lançando no último mês de junho, é o EP Existência Indígena é Guerra, que traz cinco manifestos que reforçam suas contestações ao
massacre de indígenas por razões políticas. A capa é forte e estampa a foto do
cadáver de Adenilson da Silva Nascimento, conhecido como Pinduca. Ele era uma
liderança Tupinambá e foi executado a tiros em Ilhéus, na Bahia, em 2015. A
quarta faixa do material, Awêre para Kisile, o homenageia.
Também disponível em K7, material recente traz capa com imagem forte e manifesto sobre lutas indígenas (Divulgação) |
Mesmo com
tantos mistérios em torno de Corubo, RUÍDOZZ conseguiu entrar em contato com
Cauã para entender a proposta apresentada, com este chegando a ironizar quando
perguntamos sobre o Levante do Metal Nativo, que é a nova cena que mescla o Metal com música indígena. Confira abaixo:
RUÍDOZZ:
Quem faz a Corubo? Quais são as influências?
CAUÃ:
Atualmente e de longa data, Cauã e Tesa’ãme. O foco se centra em exalar o
primitivismo, não se esquecer que com pouco se pode fazer muito mais, nunca se
limitar e sempre tentar expandir os próprios limites. Por isso sempre seremos
uma banda em trânsito, com algo que não se perde mas está sempre se mexendo.
RUÍDOZZ: Os
usos de artifícios digitais, como a bateria, são evidentes no som. Por que a
escolha de uma bateria eletrônica?
CAUÃ: Nem
todos os nossos trabalhos têm simuladores eletrônicos. Usamos o que temos em
nossos meios alternativos. Às vezes por tempo, técnicas diversas como sistemas
de captação e edição, condições de ter e manter equipamentos, a falta de
elementos vivos interessados e centrados num trabalho sério e sem autopromoções
como o nosso, talvez seja o maior fator limitante da banda. Nós, Cauã e
Tesa’ãme, por muitos e muitos momentos tivemos distâncias terrenas enormes
entre nós e apenas por causa do foco e entendimento de nossas essências, o
projeto seguiu sem se perder ou abalar. Isto precisa de muita concentração e
esforço. Se vocês leitores conhecerem quem se enquadre neste estilo, nos
indiquem, até hoje não apareceu mais elementos sérios e comprometidos.
RUÍDOZZ: A
mescla da língua portuguesa e o guarani também são marcas expressivas em Corubo.
Conte-nos como surgiu essa ideia. Reivindicam o posto de pioneiros em cantar no
idioma indígena?
CAUÃ: Essa
sempre foi a ideia. A Corubo se formou talvez apenas por essa ideia de tratar
do diferente ao estilo do próprio e pessoal. Sem isso ela nunca haveria de
existir e creio que nem em outros projetos como os de maioria clichês e
tradicionais, estaríamos nós da Corubo. Precisamos de afinidade e sinceridade,
penso.
Quanto ao
posto (de pioneiros), nunca tivemos a preocupação de tal. Fazer algo original,
sim! Na época onde foi estudado e idealizado o projeto, não havia nem algo
parecido para influenciar diretamente. Penso que Corubo veio do mundo, Corubo
está no mundo, dele, nele e devolve para ele.
RUÍDOZZ:
Como veem a cena do Levanta do Metal Nativo?
CAUÃ: A
Definição de Metal Nativo diz: “Metal nativo ou metal livre é um elemento
químico metálico quando encontrado no estado não-oxidado. O ouro, prata e cobre
são encontrados relativamente puros na natureza. Metais nativos são utilizados
desde a Era do Cobre e a partir da Era do Bronze na confecção de ligas. Também
foram utilizados no Egito, Mesoamérica e outros locais na confecção de joias”
Acho que é isso mesmo, apenas tem de procurar os com qual você vai se
identificar! Deve ser apreciada e valorizada mas jamais extrair a força. Tal
exagero leva ao vulgar e empurra a possíveis extinções.
RUÍDOZZ: Me
falem sobre a luta de vocês pela causa indígena. São de família indígena?
CAUÃ: Sim!
Não também, temos mistura (Como no dele, nele e de volta para ele). Nossa luta
vem da absorção de diferentes sistemas de sinais de comunicação entre
indivíduos ou coletividades desta existência (semiótica). Volta naquilo, daqui
viemos, aqui estamos, assim devolvemos. Não dá para separar as coisas em suas
bases. Elas se interligam e tudo acontece nesse meio. Toda luta é diária se
real. O som exala isto e timbra como um convite a outros guerreiros e
simpatizantes assim como um ruído sujo e profano à cultura tradicional
maioritária. O trabalho Existência Indígena é Guerra sai como reflexo, um
chamado de atenção aos que estão dispostos a juntar e doar forças.
A luta está
pra lá de negra meu amigo, é mais fácil fechar os olhos e se esconder no meio
da ignorância, mas não o certo. Os conceitos de radical são muitos, pode ser por
algo muito diferente. Mas ele também se define em quando mesmo sabendo que está
errado, o sujeito insiste. Esta luta se trata em primeiro plano por empatia. Do
contrário se percebe traços de psicopatia e isto é massivo na sociedade humana.
A partir disto, penso que está cheio de radicais em nossa sociedade. Pessoas
que não querem mudar, mesmo sabendo que estão erradas, ainda por cima chamam de
radicais pejorativamente os que não querem viver com este mesmo estilo de vida
destrutivo e mentiroso. O princípio da explicação - conversa franca deve
persistir e ser a base -; estar pronto para lutar com todas as armas, faz de
um elemento um ser mais completo, que se esforça para arrancar de si o que pode
de melhor. Isto com certeza define nossos princípios e por muitas vezes as
evocações de nossos sons.
RUÍDOZZ:
Percebe-se ideias anarquistas em determinados momentos. Explique-nos se há
influencia anarquista e, caso haja, como isso ajuda a moldar o pensamento e
ação de vocês?
CAUÃ: Não
acho interessante o rótulo. Existem muitas vertentes sobre a ideologia anarquista
e mais formas ainda de interpretá-las. Porém, o quesito liberdade, expansão de
consciência, pensar e agir, logo, a vida é aqui e agora, exigir o melhor de
si... são conceitos comuns às ideias anarquistas e também integrados
diretamente a maioria das culturas indígenas, por exemplo: Quando andei pela
Bahia ouvi muitos moradores regionais usarem os Pataxós como referência ao
fazer e acontecer. As prefeituras e o estado os temem, e torna difícil
confrontar estes guerreiros, que enquanto estiverem lá, conseguiram vitórias em
suas batalhas. Eles aprenderam muito nestes mais de 5 séculos, uma vez que
estavam no front atacado pelo “psicopata Colombo”. Quando os conheci em sua
aldeia de reserva, instantaneamente fiz simpatia e amizade. São espetaculares
seres! Como não sentir ligação? Como não ter empatia por suas vidas, respeitar
e enxergar o direito de seguirem como querem e escolheram, mesmo que diferente
de mim ou você!? O único jeito que conheço para isto é o (conceito) libertário,
longe de qualquer sistema político e suas qualificações, obrigações, etc.
RUÍDOZZ:
Observa muito conservadorismo na música extrema? Caso sim, como driblam isso?
CAUÃ: Sim,
vários monólogos. Normal de qualquer estilo, penso. Por exemplo, muitas records
e selos, inclusive da própria América Latina que trabalham com Black Metal nas
vertentes indígena e folclórica, nos deixaram na mão após primeiros contatos.
Fomos descobrindo que tais apoiavam bandas nacionalistas, NSBM e sempre
estampamos de cara em nossos trabalhos a total oposição a estes grupos
separatistas, segregadores por ideologias pessoais que nem sequer vivem em
integralidade nos seus dia-a-dias. Perseguindo, ou mesmo que só pregando, de
maneira infeliz os diferentes que estão livres desta condição. Apesar, isso
nunca foi um problema sendo quem somos. Continuamos criando, gravando e
lançando nossos materiais da maneira mais direta possível.
E como
driblamos isso?
Esse é o foco,
não driblamos, atacamos.
Corubo está disponível em plataformas digitais para download e apreciação.
Tenho a satisfação de ter um CD demo e um EP desta maravilhosa horda, muito esclarecedora a entrevista e a matéria como um todo.
ResponderExcluirBM Fodasso!
ResponderExcluirTenho grande admiração por esta banda/ projeto. Continuem o bom trabalho!
ResponderExcluirFoi excelente encontrar esta entrevista, muito obrigado.